Impressões de uma viagem à província de Fujian 福建 - (III)

2ª feira, dia 20 de Fevereiro de 2017
Gulang Yu 鼓浪屿

Acordei bem cedo para apanhar um ferry boat para Gulang Yu 鼓浪屿, uma pequena ilha diante de Xiamen 厦门que na primeira metade do século XIX chegou a ser considerada por “a milha quadrada mais rica do Mundo”. Na verdade, a ilha é tão pequena que não chega a uma milha quadrada, tendo apenas cerca de 2 quilómetros quadrados - talvez a tivessem medido na maré baixa! Nessa altura, os mercadores ingleses, de outros países europeus e do Japão usavam Xiamen como principal entreposto comercial com a China continental, onde construíram grandes fortunas à conta do chá, das sedas, do ópio, da prata e do ouro, e de tantos outros produtos que a China oferecia e procurava. Os mercadores ocidentais habitavam na pequena ilha de Gulang Yu, que era conveniente por ser mais pequena e oferecer um ambiente mais protegido para as suas famílias enquanto eles se deslocavam a Xiamen para os negócios do dia-a-dia. Gulang Yu foi importante até à Primeira Guerra do Ópio (1839-42), e perdeu a sua influência a partir do momento em que os ingleses se mudaram para Hong Kong mais a Sul e aí estabeleceram o seu novo centro de negócios com a China. Mas o encanto desta ilha permanece intacto.

Junto à praia, o antigo Consulado Britânico de Gulang Yu 鼓浪屿

Mal o barco aportou à ilha, cerca de três dezenas de pessoas esperavam os passageiros, exibindo certificados mais ou menos oficiais em como seriam bons guias turísticos para o périplo. No entanto, não lhes ouvi uma só palavra de Inglês. E olhando em redor, notei que o único ocidental (se é que esse adjectivo me pode assentar) era eu. Ao longo do dia fui ouvindo os vários transeuntes a advinhar de onde é que eu seria: Yīngguó rén 英国人 (inglês)?; Mĕiguó rén 美国人 (americano)?; Èluósī rén 俄罗斯人 (russo)? Quando me apetecia, respondia que não, que era um Pútáoyá rén 葡萄牙人 (português) e ríamos juntos; e noutras vezes deixei-os estar a especular e ríamos cada um para seu lado.

Um dos padrões típicos das fachadas nesta zona da China

A primeira coisa que se faz numa ilha é subir ao seu monte mais alto para avistar os seus contornos geográficos e fazer um plano de exploração. Foi o que fiz. Atravessei várias ruas de boas casas em tijolo pintado com riscas pretas a fazer padrões muito interessantes e decorativos; falei com vendedores de rua que mostravam as suas flautas de cerâmica, peças ornamentais feitas de ossos de animais e imensas pérolas de todos os feitios e cores; e fui ao alto do monte chamado de Sunlight Rock 日光岩, onde se tem uma belíssima panorâmica sobre toda a ilha. Se se tiver o dia inteiro para dedicar a este lugar, o esforço da subida é sem dúvida bem recompensado.

As casas históricas de Gulang Yu 鼓浪屿 perante os arranha-céus de Xiamen 厦门

Para além da extraordinária beleza de Gulang Yu 鼓浪屿 (cujo significado literal é “ilhéu das ondas”), com suas praias de areia dourada, exuberante vegetação sub-tropical e numerosos palacetes de arquitectura colonial, algo não batia muito certo neste lugar tão turístico. Depois de percorrer a ilha toda a passo e de me deparar com interessantes particularidades como a arte de aproveitar espinhas de peixe para elaborar quadros decorativos, ou como um museu à beira-mar com os fantásticos pianos que um mercador de Taiwan coleccionou ao longo da sua vida, eu continuava sem perceber o que faltava ali naquele quadro idílico. Prestava atenção aos pequenos pormenores das acções do Homem e da Natureza, e escapava-me aquela diferença tão elementar que só reparei ao dirigir-me para o cais dos barcos: Gulang Yu é uma ilha sem carros. E de facto, não só deles não precisa como, pela dimensão que tem, ganha em não os ter.

Atrás da Catedral Católica de Gulang Yu, várias noivas maquilham-se para sessão fotográfica

No fim do dia, volto à muito maior ilha de Xiamen, olhando a partir do barco a bela ilha de Gulang Yu a ficar mais longe e a acender luzes enquanto o céu escurece camada a camada. Vou jantar com um amigo perto do meu hotel, num cruzamento de ruas muito movimentadas. Instalamo-nos numa varanda sem grades de um rés-do-chão alto, sentados em frágeis cadeiras de plástico, enquanto o dono do restaurante nos traz a comida, os pauzinhos e um rolo de papel higiénico para irmos limpando as mãos quando necessário. Olho para a rua e vejo aqui e acolá mulheres a bater palmas. A quem estariam a aplaudir? Será que avistaram algum famoso que admiram? “Não”, explicou-me o amigo local, “estão apenas a chamar a atenção das pessoas para os seus restaurantes”.

Antiga casa colonial, hoje uma livraria

Estes relatos escritos e fotográficos só não são capazes de transmitir determinadas sensações que apenas lá estando podemos entender, como os barulhos especiais daquelas ruas, cheiros como aquele perfume do tabaco indonésio a ser fumado ali ao lado, ou o prazer de chegar ao hotel para descansar os músculos das pernas depois de um dia de caminhada que me proporcionou vistas tão ricas e interessantes.

Adeus Gulang Yu 鼓浪屿, até à próxima!


Comentários