As Cortes na República

Vejo várias vantagens na monarquia. Mas o que eu menos gosto nas monarquias é da Corte no seu pior sentido, entendendo-a como aquele conjunto de pessoas que rodeiam o monarca para obter privilégios e poder sobre os demais. Os snobs, sem nobreza, ostentam títulos e buscam outras formas de poder como um fim em si mesmo; já os nobres, mesmo quando sem título, reconhecem que o poder de que dispõem não é verdadeiramente seu e que deve ser posto ao serviço do Bem Comum em geral e do próximo em concreto.

Cortes Constituintes Vintistas (1820)

Custa-me ver que tantas repúblicas e republicanos convictos acabaram com tantas tradições boas e úteis da realeza ao mesmo tempo que reforçaram o seu pior defeito: a Corte. No posto dos pequeninos aduladores passámos a ter lugar cativo para vários grupos de pressão muito mais brutos, num esquema clientelista mais ou menos legalizado, com uma gigantesca porta giratória a marcar o ritmo dos movimentos de rotação e translação destes autênticos satélites do poder.

Para encontrar exemplos deste clientelismo, não precisamos de ir muito longe. É um exercício arrepiante se pensarmos nos políticos que marcaram as nossas últimas décadas em Portugal e nos respectivos membros das suas Cortes:

Mário Soares – Almeida Santos, António Arnaut, Carlos Melancia
Cavaco Silva – Dias Loureiro, Duarte Lima, Oliveira e Costa
António Guterres – Jorge Coelho, José Sócrates, Armando Vara, Pina Moura
Durão Barroso – José Luís Arnaut, Isaltino Morais, Santana Lopes
Santana Lopes – Aguiar Branco, Gomes da Silva, António Mexia
José Sócrates – Manuel Pinho, Mário Lino, José Lello, Jaime Silva
Passos Coelho – Miguel Relvas, Luís Montenegro, Marco António Costa
António Costa – Pedro Nuno Santos, Rocha Andrade, Ana Catarina Mendes, Carlos César...

Quantos destes não estão ou estiveram a braços com a justiça? Quantos destes são um exemplo de virtudes? Com quantos destes seríamos capazes de deixar os nossos filhos por meia hora que fosse? E eu até acho que Cavaco Silva ou António Guterres, por exemplo, serão pessoas com bom fundo. Mas isso não significa que se tenham rodeado dos melhores conselheiros, antes pelo contrário. Claro que em todos estes governos também houve boas pessoas que eu não mencionei. No entanto, há muitos aproveitadores a chegar aos lugares-chave da administração pública.

Sultão Solimão I, o Magnífico (1494-1566)

Noutros países republicanos também encontramos os piores vícios da Corte, com dinastias políticas a rodearem-se dos mais cúmplices cortesãos. Nos EUA, por exemplo, após Trump ter derrotado o candidato da dinastia Bush nas primárias e a candidata da dinastia Clinton na eleição geral, vemos este Presidente a inventar um poderoso posto de Primeira Filha e a nomear o seu genro para Senior Advisor. Como lembra Philip Mansel na Spectator, também na Turquia o Presidente Erdogan nomeou o seu genro para Ministro da Energia e Recursos Naturais. Em França, o Presidente Macron esboçou um governo de centrão e rodeou-se dos mais importantes empresários e políticos que o apoiaram nas eleições e que, à esquerda e à direita, o aclamam qual Rei Sol. Em Espanha, os dois partidos que suportaram os últimos governos de Zapatero (PSOE) e de Rajoy (PP) e que permitiram tanta corrupção moral e financeira no Estado central e nas autarquias, lá se aguentaram por mais uns tempos no poder após o susto da crise eleitoral que recentemente viveram. Na Rússia, só vinga nos negócios quem está politicamente próximo do Kremlin de Putin. E tal como Putin não esconde a sua inspiração nos Czares, também Erdogan construiu um palácio presidencial maior do que os de outros Sultões Otomanos e Macron faz um uso cénico da política que faz lembrar um certo esplendor (embora decadente) de Versailles. Talvez por prudência ou por feitio, Angela Merkel é mais comedida nas maneiras, mas toda a gente sabe que quem controla a União Europeia é Berlim e que Bruxelas é uma espécie de Brasília ou de Otava, que serve para contentar Rio de Janeiro e São Paulo, ou Toronto e Montreal, ou, neste caso, Paris e Berlim. Angela Merkel é uma Imperatriz que se contenta em exercer o seu poder sem grandes alaridos mediáticos imagine-se o que será desta Europa quando a senhora for sucedida por um alemão mais espalhafatoso que, dando nas vistas, nos faça ver a triste realidade da nossa condição!

Conselho de Estado com Presidente Marcelo Rebelo de Sousa


Cá em Portugal, o Presidente Marcelo conscientemente prescindiu de promover uma Primeira Dama, invocando que essa figura respeitável é mais própria de uma monarquia que de uma república. Ele lá saberá. No seu caso, por tão afectuoso e popular que é, até ver ninguém se queixa. Mas frequentemente se reúne com a sua Corte, perdão, Conselho de Estado, que é como sempre composto por políticos, magistrados e amigos.

Todo o dirigente precisa de bons conselheiros para pensar nas várias vertentes do problema com que se depara e tomar a melhor decisão possível. Mas estes republicanos de que vos falei, todos eles, assimilaram as Cortes e elevaram este vício do sistema a um patamar superior de corrupção e clientelismo. Com tudo isto, só um Estado mais pequeno e constitucionalmente limitado pode conter a fome dos actuais devoristas. Tal como recentemente dizia Pedro Feytor Pinto, "quase não devia haver governos".

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